Fatumbia: a força do destino, ou o nascimento de um novo mundo
O navio da Liberdade (2025)
Fatumbia narra a epopeia de um renascimento. Diante de uma realidade sem alma, onde o espírito está submetido à matéria, a humanidade escolhe erguer seu próprio mundo, tão denso e radiante que dissolve pouco a pouco o antigo.
O ato fundador consiste em transfigurar o próprio símbolo da grande ferida. O navio da história, símbolo da deportação e do sofrimento, metamorfoseia-se em O navio da Liberdade. Dessa inversão nasce um povo em marcha. Seus passos já não ressoam como os de sombras errantes, mas se encarnam em A marcha das lendas, cada passada extraindo da terra uma força nova.
Esse povo forja seu mundo nascente em aliança com o indomável. No rugido da cachoeira, eles reconhecem A força do destino, potência inalterável que anuncia sua vitória.
No silêncio das noites, já não oferecem apenas orações ao mar; recebem em retorno A oração do Oceano, Iemanjá que escuta seus filhos e os investe de sua imensa potência.
Esse mundo novo exige ser transmitido. A comunidade se contempla em O espelho da infância, reencontrando ali sua pureza primeira e a promessa de seu futuro. A iniciação do jovem dançarino transcende o simples ritual; ele se torna o receptáculo vivo dos Tambores do tempo, seu corpo vibrando em uníssono com séculos de história.
O arquiteto desse mundo novo não é outro senão O guardião do passado por vir, que mergulha na memória ancestral para desenhar o futuro, ensinando a arte secreta da metamorfose. Sob seu olhar, os iniciados aprendem a manifestar A cor do trovão, o raio sagrado de Xangô, e a encarnar O coração da tempestade, esse centro irredutível da renascença espiritual.
Aos poucos, a geografia do mundo novo se revela. Os caminhos da resistência são protegidos por Os muros do murmúrio; e quando a fé ousa sair da sombra, a própria rua transmuta-se em Templo da rua. No coração do santuário velam as guardiãs do saber invisível, As filhas dos segredos, protetoras desse mundo renascente.
O ponto de basculamento advém: o invisível atravessa o limiar do visível. É A passagem dos ancestrais — eles deixam de ser memória distante para caminhar ao lado dos vivos. Desde então, o cotidiano inteiro se transfigura: o mercado torna-se O cruzamento das eras, onde o comércio dos bens se mistura à troca das forças sagradas.
Enfim sobrevém o rito de passagem: A travessia dos mundos. O visível e o invisível já não estão separados; unem-se como as cordas de uma mesma tessitura.
Então aparece a luz última. O navio negro, espectro maldito das tratativas escravistas, jaz na margem como uma carcaça ressequida, vazia de poder, reduzida a um fantasma, aniquilada pelo mundo novo.
O casal que contempla essa epave não constata apenas a ruína do mundo antigo, mas a consagração do novo. Nesse espetáculo cumpre-se assim a obra última: A vitória do Espírito, triunfo da criação sobre a destruição, da liberdade sobre a opressão, da beleza sobre a violência, da potência da alma sobre a brutalidade da desumanização.
A epopeia de Fatumbia é também um espelho refletindo a vida de Fatumbi Verger, que, ao deixar a Europa burguesa para se perder nas ruas de Salvador e nas estradas da África, escolheu ele também construir um mundo novo.
Sua fotografia não era apenas figuração, mas transfiguração: adotado pelo povo de Salvador, acolhido no Candomblé, depois iniciado nos mistérios do Fá, foi não apenas testemunha, mas ator do vaivém entre os continentes.
Como O guardião do passado por vir, Fatumbi recolheu a memória dos antigos deportados, dos sacerdotes africanos, das mulheres da rua, dos mercados, dos templos distantes. Por sua obra, abriu A passagem dos ancestrais: suas imagens e escritos permitiram que uma memória enterrada voltasse a ser presença.
Em Fatumbi, a viagem se tornava novamente Travessia dos mundos: ele ligava a África e o Brasil, o visível e o invisível, a história e o sagrado. E através dele, esse mundo novo nascido de um olhar único se inscreveu não apenas na história universal, da arte e do conhecimento — como um testemunho fulgurante de A vitória do Espírito — e daquela irreprimível liberdade humana.















